Discografia Comentada: Mountain


Nosso colaborador Bento Araújo, editor da poeira Zine e um dos maiores especialistas em rock clássico do Brasil, destrincha a discografia de um dos mais importantes e influentes grupos da história do hard rock, o Mountain. Liderado pelo lendário vocalista e guitarrista Leslie West, o Mountain foi um dos primeiros power trios do rock, e sua importância e relevância para o gênero está no mesmo patamar de nomes mais festejados como o Cream, por exemplo. Só por aí já dá pra sentir do que estamos falando, não é mesmo?

Então pegue a sua caneta, anote as dicas e vá agora mesmo atrás desses discos. Uma coisa é certa: você não vai se arrepender!!!

Por Bento Araújo
Jornalista e Editor da poeira Zine


Leslie West - Mountain (1969) ****

O primeiro disco solo de Leslie West até hoje é considerado por muitos fãs como o primeiro disco do Mountain. O próprio grupo coloca em seu site oficial esse álbum como sendo seu primeiro registro. Já o conceituado site All Music Guide não considera esse disco na discografia da banda, já que o grupo foi batizado de Mountain somente após esse lançamento. Discussões à parte, é impossível começar a comentar a discografia do Mountain e não falar desse álbum.

"Blood of the Sun" e "Dreams of Milk & Honey" são hinos do rock pesado, mostrando que a escola do Cream daria muito o que falar na década que estava surgindo. West já se mostrava um fenômeno de timbre inigualável durante todo o álbum. A sutileza e musicalidade de Felix Pappalardi aparece em temas magistrais como "Long Red", "Because You Are My Friend" (essa, na verdade, uma antiga composição acústica de West) e "Storyteller Man" (influência certa para os Faces). 

"Blind Man" é blues como o Cream fazia, "This Wheel's On Fire" é uma versão atordoada para o clássico de Bob Dylan e Rick Danko, "Look to the Wind" trazia as características orquestrações de Pappalardi e "Southbound Train" é a famosa música que o Mountain imortalizou em Woodstock.


Climbing (1970) *****

Sem dúvida nenhuma o melhor disco do Mountain. Agora como uma banda de verdade, o grupo liderado por Leslie West e Felix Pappalardi vinha com um álbum perfeito, trazendo nove canções que se tornaram "cartilha" para quem quisesse se aventurar no rock pesado dali pra frente. O que dizer de um disco que abre com "Mississipi Queen", um dos clássicos da história do rock? O mínimo que pode se fazer é o ouvir o disco no volume máximo, como recomendava a banda na contracapa do LP: "this record was made to be played loud".

"Theme for an Imaginary Western" recebe uma interpretação emocionada de Pappalardi. A composição de Jack Bruce e Pete Brown se tornou um marco na carreira do grupo, pois era uma espécie de apadrinhamento do Cream, uma carta branca aprovando o Mountain para beber à vontade nas influências do grupo inglês. Era a retribuição de Bruce e Brown ao amigo Pappalardi, que tanto tinha trabalhado pelo Cream. Falando neles, "The Laird" é claramente influência direta do trio inglês.

"Never in My Life" e "Sittin' on a Rainbow" têm riffs cavalares de West dobrados pelo baixo de Pappalardi, o que oferece um peso extra nas composições, que já eram fortes por natureza. "Silver Paper" é uma pequena obra-prima misturando psicodelia e peso com uma letra totalmente hipponga. "For Yasgur's Farm" é uma das mais belas homenagens a Woodstock feita por uma banda que lá tocou (Joni Mitchell fez também sua homenagem, mas não tocou lá ...)

A guitarra de West tem em Climbing seu ápice. Um som único, como o da faixa instrumental "To My Friend" e no encerramento com "Boys in the Band".


Nantucket Sleighride (1971) ****1/2

Vindo no mesmo pique de "Climbing", o Mountain registrou outro clássico do hard setentista em "Nantucket Sleighride". Gail Collins, esposa de Felix Pappalardi, surge como figura de suma importância para a banda, cuidando de toda a parte gráfica e também das letras.

Novamente o Mountain desfila com categoria temas pesados como "Don't Look Around", "You Can't Get Away", "The Animal Trainer and the Toad", "Travellin' in the Dark", e impressiona também nas nuances mais sutis, como em "Tired Angels" (uma homenagem a Hendrix, falecido no ano anterior) e "My Lady" (faixa mostrando reminescências do período folk de Pappalardi no Village de NY). Um dos melhores momentos do grupo está na dobradinha "Taunta (Sammy's Tune)"/ "Nantucket Sleighride", um épico contando um pouco da história da América que mostra toda a genialidade da dupla Pappalardi e West.


Flowers of Evil (1971) ***1/2

Álbum que marca o final do período mais criativo da banda em estúdio, mostrando que dali pra frente as apresentações ao vivo seriam prioridade e palco das mais malucas improvisações possíveis.O lado de estúdio traz temas como o rock empolgante da faixa título, a tristeza e melancolia instrumental de "King's Chorale", a levada irresistivelmente pesada de "Crossroader" e o clima erudito de "Pride and Passion". Na parte ao vivo o destaque é o "Dream Sequence", um medley de 25 minutos com muitos improvisos e uma versão matadora de "Mississipi Queen". Tudo devidamente registrado no fechamento do lendário Fillmore East.


Live - The Road Goes Ever On (1972) ****

Lançamento póstumo, realizado quando a banda encerrou suas atividades pela primeira vez em 1972. Apenas quatro faixas aparecem: "Long Red", "Waiting to Take You Away" (composição inédita da banda), "Crossroader" e uma versão de 17 minutos para "Nantucket Sleighride" que tomava todo o lado B do vinil.


Twin Peaks (1974) ***1/2

Mais um ao vivo, registro que marcou a volta da banda em 1973. A tour japonesa merecia um souvenir à altura da histeria dos fãs locais, e então foi lançado esse álbum gravado no Koseinenkin Hall em Osaka.O vinil duplo trazia versões interessantes para clássicos como "Never in My Life", "Mississipi Queen", "Silver Paper" e "Theme for an Imaginary Western". Nos improvisos o Mountain se supera e registra uma versão de 32 minutos (!) para a épica "Nantucket Sleighride". No vinil a faixa era dividida em duas partes, que tomavam os dois lados de um disco. Infelizmente a voz de Felix Pappalardi já não mostrava a mesma garra dos primeiros dias, tudo isso somado ainda a ausência significativa de Corky Laing, que não pôde fazer essa tour pelo Japão devido a problemas de saúde.


Avalanche (1974) ****

Depois de dois discos ao vivo o Mountain estava louco para voltar às gravações em estúdio. "Avalanche" é uma tentativa de retorno aos dias inspirados de "Climbing". Mais voltado para a guitarra de Leslie West, o rock rola solto com as versões de "Whole Lotta Shakin' Goig On" e "Satisfaction". Pappalardi voltava afiado e compondo muito, como em "Sister Justice", "Swamp Boy" (e sua introdução bacana), "Thumbsucker" e "Last of the Sunshine Days". "Alisan" era mais uma bela peça instrumental de West, nos moldes de "To My Friend" que aparecia em "Climbing". "You Better Believe It" mostra o quanto faz diferença ter Corky Laing de novo na bateria e "I Love to See You Fly" tem algo de Led Zeppelin.


Go For Your Life (1985) **

Contando com Mark Clarke (ex-Tempest e Uriah Heep) no baixo, o Mountain mostrou estar meio perdido após a morte trágica de Felix Pappalardi. Temas sem inspiração como "Hard Times" (que mereceu um clipe medonho na época), "Spark" e "Bardot Damage" mostravam que o grupo queria soar como um ZZ Top ou um Kiss, bandas de sucesso nos anos 70 e que continuaram vendendo muitos discos nos 80, o que não foi o caso do Mountain. Títulos como "She Loves Her Rock (And She Loves It Hard)", "I Love Young Girls" e "Makin' It in Your Car" falam por si mesmo e demonstram os interesses do pessoal na época ...


Over The Top (1995) *****

Coletânea dupla com muito material clássico da primeira fase do Mountain. Os discos "Climbing" e "Nantucket Sleighride" aparecem quase na íntegra, mas o bacana é uma versão inédita, registrada ao vivo, para "Stormy Monday" com quase 20 minutos de duração. De quebra a coletânea traz duas faixas inéditas contando com Noel Redding no baixo: "Talking to the Angels" e "Solution".


Man's World (1996) ***

Como não rolou a volta com Noel Redding o jeito foi convocar Mark Clarke de volta para encarar agora a década de noventa. Bem superior ao Mountain dos anos 80, essa versão mostrava estar de bem com a vida em músicas como "In Your Face", "Noboddy Gonna Steal My Thunder", "Man's World" (uma versão para "It's a Man's Man's World" de James Brown, também regravada pelo Grand Funk Railroad nos anos oitenta) e "I Look".

Mystic Fire (2002) ***

O Mountain do século XXI vem com Ritchie Scarlett no baixo e mostra um peso extra em todas as composições, principalmente na releitura para o clássico "Nantucket Sleighride". O disco abre com a pesada "Immortal", trazendo vocais quase guturais de Leslie. Na seqüência a faixa-título, a melhor do disco por sinal. A regravação de "Fever" (aquela que ficou famosa com o rei Elvis) é bem interessante, e, convenhamos, é engraçado imaginar Leslie dando uma de sexy com todo aquele tamanho!


Nota do editor: o Mountain lançou ainda o álbum "Masters of War" (***1/2) em 2007, que manteve a chama da banda viva. 


Aos interessados por raridades setentistas, o grupo está disponibilizando uma série de shows em uma séria chamada "Official Live Mountain Bootleg Series". Já são mais de uma dezena de apresentações, a maioria da primeira metade dos anos setenta. Entre os CDs, os melhores até agora são o "Volume 6: Capitol Theater, Passaic, New Jersey, 28 December 1974", o "Volume 7: Woodstock Festival / New Canaan H.S. 1969" e o "Volume 14: New Year Concert 1971".


E, fechando com chave de ouro, em 2008 foi lançado um box com oito discos, indo de "Mountain" até "Avalanche", que é recomendadíssimo para quem quer ter o melhor desse sensacional grupo.




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