Janis Joplin, a rainha do rock


Por Ugo Medeiros
Colecionador e Jornalista

“Janis, filha de um supervisor de uma refinaria de petróleo numa pequena cidade do Texas, passa a adolescência trancada no quarto ouvindo discos de Billie Holiday e Bessie Smith. Aos 17 anos abandona a família para cantar em troca de bebida nos bares de beira de estrada, seguindo a trilha errante dos cantores de blues. O próprio canto de Janis é uma volta ao berro no estado bruto, o grito rouco e sofrido de uma raça” (texto extraído do livro Rock: o Grito e o Mito).

Após rodar por boa parte dos EUA, Janis chegou em São Francisco em junho de 1966 com a promessa de um velho conhecido, Chet Helms, de conseguir fama e fortuna. Ele, que empresariava grupos do cenário psicodélico da cidade, como Captain Beefheart, a incentivou a entrar numa banda que começava a ganhar destaque, o Big Brother and the Holding Company. O rock “sujo” do grupo havia conquistado alguns fãs, porém ainda faltava algo. Eis que, com a sua chegada, o quarteto ganha a sonoridade almejada. Assim, a formação estava completa: Peter Albin (baixo), Dave Getz (bateria), James Gurley (guitarra), Sam Andrew (guitarra) e Janis liderando os vocais.

 O rock feito naquela região, mais especificamente em Haigth-Ashbury, tinha influênica do folk e da contracultura, esta trazendo novas expressões artísticas, busca pela espiritualidade, expansão da realidade através de drogas psicoativas. Enfim, tudo para criar uma atmosfera de boas vibrações. O grande diferencial do Big Brother era, de fato, a voz carregada de sentimentos da cantora.


“Janis trouxe suas raízes de blues. Ela conhecia o blues e queria que sua platéia o conhecesse por seu intermédio. Se o público buscava ter todos os sentidos despertados em um concerto, Janis, como indutora do transe, se entregava totalmente à sua música. Sua música não nascia simplesmente das cordas vocais, mas era um conjunto contido inteiro em sua presença física. Ela conduzia a música agitando os braços e batendo os pés. Sondava profundamente dentro de si mesma, de modo que pedaços de sua alma pareciam dançar com as harmonias e cavalgar as ondas de som que definiam sua voz” (texto extraído do livro Com amor, Janis Joplin).  

Aos poucos, a banda ganhava maior reconhecimento e fazia shows fora de São Francisco. Com um repertório formado por alguns blues e rocks, o público conhecia um novo tipo de som, peculiar, simples e ao mesmo tempo complexo pela notas arrancadas por Janis. O Big Brother era visto, no início de 1967, como uma banda que ganhava respeito e mais fãs. Haviam lançado, por uma pequena gravadora, o primeiro compacto com as faixas "Blindman" e "All Is Loneliness". Se as vendas não foram como o esperado, a cena de São Francisco ganhava espaço na mídia nacional.

A Grande Mudança

Muito se fala a respeito do Woodstock, entretanto o festival mais importante foi o Festival Pop Internacional de Monterey, em 1967. Alguns desconhecidos ganharam fama no evento, entre eles Jimi Hendrix e Jefferson Airplane. Uma apresentação incendiária foi o suficiente para levar à loucura o público presente. Mas o show não havia sido gravado, levando a banda, a contra-gosto do empresário (nesta altura, Julius Karpen), a se apresentar novamente. Joplin era, enfim, aclamada rainha! Dias após o festival, o Big Brother fechava com o empresário Albert Grossman, o mesmo de Bob Dylan.

Uma vez conquistada a costa oeste, era a vez de partir à costa leste. Nova Iorque, a cidade dos negócios, também mostrava-se como uma oportunidade à banda. Apenas alguns concertos foram necessários para a crítica musical se render aos encantos da rainha do blues. Em fevereiro de 1968 encerram o vínculo com a gravadora e firmam contrato com a Columbia, uma das grandes da indústria fonográfica. 


Em julho do mesmo ano foi lançado o primeiro disco, "Cheap Thrills", gravado ao vivo em estúdio. Com vendas exorbitantes, disco de ouro em três dias, consolidou a vocalista como uma superstar.  

Infelizmente, junto com a fama e o dinheiro vieram os problemas de relacionamento. Os holofotes iluminavam apenas a cantora, que mesmo sem precisar de toda aquela atenção acabou por semear a discordânica interna. Os músicos eram tratados pela imprensa, mas nunca por Janis, como meros contratados. A sedução por uma carreira solo mais lucrativa levou ao inevitável fim do grupo no dia 1º de dezembro de 1968.

Os primeiros meses de 1969 destinaram-se à uma turnê pela Europa, já com sua nova banda, a qual a formação manteve apenas Sam Andrew do Big Brother. Se a cantora, que mostrava sinais de esgotamento e problemas psicológicos, tentava ser a líder, isto foi impedido pelo crescente uso de álcool e heroína. Os problemas de relacionamento continuaram, a sua nova banda, a Kosmic Blues Band, teve alta rotatividade. 


O álbum "I Got Dem Ol’ Kozmic Blues Again Mama!" foi considerado bom e nada mais. A idéia de criar um blues negro com metais não deixava o público a vontade. Pela primeira vez, Joplin tinha um elenco de músicos que a deixava a vontade para cantar da melhor forma possível, mas a sonoridade final ainda não era a ideal. Há de convir, ao menos, que a voz da rainha chegara ao auge ... Após meses de brigas e shows medianos, em dezembro o Kosmic terminou, como já era previsto.

Ela precisava de descanso e de um período de abstinência. Visando sua recuperação, em fevereiro de 1970 veio ao Rio de Janeiro passar o Carnaval. O que seria uma viagem de desintoxicação acaba por ser justamente o oposto. Bebida e muitas drogas (com excessão de heroína, que ainda não existia no país) foram suas principais companhias, que ainda contou com Serguei.


Ao retornar, inicia um novo projeto solo, o Full Tilt Boogie Band. Uma formação completa que conseguiu retirar um som em que a voz de Janis se encaixou com perfeição. A estréia da turnê, datada em 29 de maio, foi um grande recomeço. Continuou a excurssão por cinco semanas e logo depois partiu para a tour do Festival Express pelo Canadá. No dia 12 de agosto, em Harward, a rainha do blues e do rock faria seu último show.

“Janis foi criticada por agir como um astro do rock and roll em vez de agir como mulher. Suas fanfarronices, linguagem grosseira e capacidade de igualar-se à banda no aspecto da promiscuidade sexual eram vistas por muitos como obscenas e pouco feministas. Mulheres não deviam beber ou trepar como homens” (texto extraído do livro Rock and Roll: Uma História Social). 

Infelizmente, na noite de 3 de outubro de 1970, após uma sessão de gravação e muita bebida, Janis voltou ao hotel em que estava hospedada. Em seu quarto, aplicou heroína e, depois, foi comprar cigarros no hall. Ao voltar para dormir, nunca mais acordou. Em tempos em que a beleza esteriotipada e a alienação dominam, a rainha do rock, novamente, mostra que a sua mensagem, mesmo póstuma, ainda é válida: o verdadeiro estilo ou rebeldia está nas atitudes de cada um.

O que é diversão?

Um dos lazeres de Janis era o “jogo do grito”. Este consistia em sentar numa varanda com os amigos e começar a gritar até que a polícia chegasse. A prática era comum em festas. “A festa foi bem legal, apareceram três viaturas”. O recorde foi no dia 17 de abril de 1959, ocasião em que quatorze carros de polícia, um de bombeiro, seis táxis, duas ambulâncias, uma carrocinha (de animais), o Exército da Salvação e um vizinho de pijamas portando uma enxada deram o ar da graça.

Go-girl?

Em 1966, durante uma passagem de quatro semanas por Chicago, o Big Brother fez um contrato de um mês, recebendo U$ 1,000/semana. Reberam os dois primeiros pagamentos, porém devido ao baixo público o dono da casa deu calote. Estavam sem dinheiro para retornar à Califórnia. Tiveram, então, a brilhante idéia de chamar atenção ao colocar uma go-girl semi-nua no pequeno palco. Janis, mais tarde, confessaria que perdia alguns compassos ocasionado por ataques de risos ...

Aquisições Necessárias

Pearl (1971)

Na vida podemos diferenciar os que têm talento ocasionado pelo trabalho, aqueles que passam a treinar diariamente algum instrumento ou alguma outra habilidade, e os que têm um talento sobrenatural, divino, aqueles que apesar de se esforçarem em perder seus dons conseguem, inexplicavelmente, superar os limites já alcançados. Este é o caso de Joplin.

Último disco de estúdio de Janis, já com a formação do Full Tilt Boogie Band, o lançamento póstumo, em 1971, revelou uma cantora perturbada pelas drogas em seu auge. Um álbum maduro com canções que ainda emocionam, mesmo passados mais de trinta anos. A faixa de abertura, "Move Over", e a seguinte, "Cry Baby", exibem toda a emoção de uma verdadeira vocalista de blues que se aventura no mundo do rock. Alternando momentos mais calmos, como "A Woman Left Lonely", "My Baby" e "Get It While You Can" - esta uma das letras mais belas sobre o amor -, e outros mais agitadis, como "Half Moon", "Me and Bobby McGee" e "Trust Me", ainda há espaço para uma instrumental, "Burried Alive in the Blues", um blues com bastante swing em levadas de teclado que lembram uma influência de soul (o vocal seria gravado no dia seguinte de sua morte). 

A obra-prima da Rainha ainda reserva a clássica "Mercedes Benz", uma composição feita em parceria com um amigo poeta beatnik, uma canção ao melhor estilo a capela. Nas palavras de B.B. King, “Janis Joplin canta blues com tanto sentimento quanto uma negra”. A pérola branca da música negra, após este disco pode ser considerada a maior vocalista da história do rock.

Festival Express (2004)

Verão de 1970. Imaginem se pudéssemos juntar em um trem fretado as maiores bandas de blues e rock do momento. Assim, durante uma semana, o expresso do rock cruzaria o Canadá. A cada parada, uma cidade diferente, mais um estádio lotado, mais um show memorável. E se neste elenco estivessem nomes como Janis Joplin, Grateful Dead, Buddy Guy e outros? Bem, agora não é mais necessário o uso da imaginação.

O DVD "Festival Express" é um documentário sobre esta inusitada turnê pelas terras dos vizinhos dos americanos. Além de ter inúmeros shows de mega bandas, é possível ainda entrar naquela atmosfera louca, vagar pelos diversos vagões, ver
jams com Jerry Garcia no violão e, no vocal, a nossa rainha. 

As entrevistas são uma preciosidade, e a chance de poder vê-los à vontade, tocando um folk ou um blues que não tocariam no palco, ou mesmo batendo papo, emociona. Aos amantes do rock, uma aquisição sem preço.


Comentários

  1. Texto excelente, e ainda por cima com ótimas indicações no seu final.

    Parabéns Ugo, é de material assim que precisamos aqui no blog.

    Valeu pela força.

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  2. Putz, muito bom mesmo!
    Miss Janis merecia uma destas à um bom tempo, pois a importância dela é absurda.

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