Do brilho dos holofotes à fumaça do underground: uma história não tão concisa do hard rock setentista


Por Ronaldo Rodrigues
Colecionador

Assim como ocorre com alguns acontecimentos históricos da humanidade, é difícil precisar a data ou o momento exato em que surge um determinado movimento artístico-cultural. Mais hora, menos hora, ele põe sua face no mundo e manifesta sua índole. 

A raiz do hard rock está diretamente envolvida com o próprio desenvolvimento do rock em sua vertente mais rebelde, suja e transgressora - dos riffs blueseiros turbinados de Chuck Berry à insanidade dos gritos de Little Richard e a energia da performance de Jerry Lee Lewis ao piano. 

Nos anos sessenta, o som que duelava a preferência da juventude britânica (européia, por extensão) com os Beatles era mergulhado na lama do blues americano – Rolling Stones, Yardbirds, Animals, Kinks e The Who. Estes foram os precursores do hard que se desenvolveu a partir da segunda metade dos 60´s. Seu som era bem mais agressivo, ousado e chocante do que o som da maioria das bandas que embarcaram na Beatlemania. A fórmula era basicamente a mesma – injetar anfetamina no blues e rhythm and blues, acelerá-lo, distorcê-lo, estrangulá-lo, jogar quilos de microfonia e gritos, deixando meninos e meninas estarrecidos e pais pra lá de preocupados.


Nessa efervescência, acredito que o maior destaque foram os Yardbirds. Em príncipio, foram um dos maiores expoentes da geração dos puristas do blues, quando ainda contavam com Eric Clapton; depois, com Jeff Beck e Jimmy Page, começaram a expandir as fronteiras, inserindo peso e psicodelia naquela massa sonora. Além de tudo, o grupo foi o berço de três dos guitarristas mais influentes da história de todo o rock. 


Em 1966 surge um grande divisor de águas nessa história com a união de três músicos já tarimbados do cenário inglês – o Cream. Amplificando todas as fórmulas da moçada mais ousada da Inglaterra daqueles tempos, o Cream uniu virtuosismo, senso improvisador e liberdade de criação num caldeirão que deixou todo mundo bem chapado naqueles tempos. 

Aceso o pavil, explodiu outro fenômeno – um guitarrista norte-americano canhoto, autodidata e bem doidão veio para a Inglaterra apadrinhado e formou a Jimi Hendrix Experience. Daí a coisa estorou mesmo – o som daqueles dias era ácido, pesado, experimental, virtuoso, inovador. Estava nascendo o hard rock, um som calcado no blues, porém antropofagicamente transformado pela criatividade daquela geração que utilizou toda a tecnologia que se desenvolvia na época para fazer o som de suas bandas chegar mais longe. 


Nos EUA eclodia também o movimento flower power e o som psicodélico. Não parecia haver fronteiras para as combinações entre o novo som e o velho blues – quase todo mundo embarcou nessa viagem, e quem não embarcou ficou no limbo da história.

A partir daí, entre 1967 e 1968, surgiram o Blue Cheer (que levou a psicodelia aos extremos com sua estreia, Vincepbus Eruptum), o Steppenwolf (com o hino do hard, "Born to be Wild"), o Ten Years After (e o prodigioso guitarrista Alvin Lee), Taste, Canned Heat, Savoy Brown, Jeff Beck Group, Led Zeppelin, MC5, Stooges (ampliando o som psicodélico das garagens norte-americanas) e vários outros nomes que foram cruzando a psicodelia e a inovação com o blues, tanto na sonoridade quanto nos temas. 


A partir de 1969 pode se dizer que o estilo já estava consolidado, com diversos trabalhos de muito peso das citadas bandas e de outras, como Leslie West Mountain, James Gang, Grand Funk Railroad, Edgar Broughton Band, Writing on the Wall, Groundhogs, Free, Cactus e muito etc por aí. O que fazia a cabeça da moçada na virada dos anos sessenta para os setenta era o som pesado – e toda a situação do momento favorecia isso: Guerra do Vietnã, as manifestações estudantis, os golpes militares na América Latina, o assassinato de Martin Luther King. O som parecia ser o pano de fundo para o todo aquele contexto conturbado, acrescido da desilusão com o ideal hippie e a alienação pelo uso de drogas.

Com o advento dos anos setenta a coisa ficou progressivamente mais pesada, agregando novas influências – Black Sabbath e Deep Purple foram os grandes marcos do som da nova década e influenciaram uma gama imensa de jovens por todo o mundo. O nascente rock progressivo também foi influente, numa fusão entre o som pesado e as novas sonoridades, coisa que aconteceu muito forte na Europa. 

Ao prosseguir da década, dezenas e dezenas de bandas surgiram e sumiram com velocidade de foguete no cenário, nos mais diversos países no mundo. O underground engoliu muitos jovens talentos que não tiveram a manha de lidar com o mainstream e nem tiveram um pingo de sorte com gravadoras e empresários. Por conta disso, bandas fantásticas e extremamente promissoras ficaram somente na estreia. A industrialização da música (e do rock, consequentemente) avançou, capitalizando todo o movimento e direcionando-o por caminhos mais previsíveis no decorrer da década, especialmente visando competir com o punk rock e a disco music, movimentos que deixaram o hard bem menor em termos de popularidade. 

Claro que houveram muitas honrosas bandas que não se deixaram levar pelos apelos escandolosos do mercado e mantiveram firmes seus princípios, se baseando no blues ou mesmo na busca de novos caminhos, caminhos esses que foram levando o hard até o heavy metal, com a chamada New Wave of British Heavy Metal. Mas aí, já chegaram os anos oitenta. Melhor parar por aqui.

Comentários

  1. Curto e grosso. Bela resenha, principalmente pela lembrança dos Yardbirds, a melhor banda da história do rock'n'roll

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