O dream team do jazz e seu jogo inesquecível


Por José Alberto Bombig
Jornalista

Se fosse uma banda de rock a formação seria algo na linha Mick Jagger nos vocais, Jimi Hendrix e Eric Clapton nas guitarras, Neil Peart na bateria Ray Manzarek nos teclados e Sting no contrabaixo. Eles tocariam baladas da dupla Lennon/McCartney.

Mas é jazz, então temos John Coltrane e Julian "Cannonball" Adderley nos saxofones, Wynton Kelly e Bill Evans encarregados do piano, Paul Chambers no contrabaixo, Jimmy Cobb na bateria e Miles Davis no trompete. Eles tocam composições de Davis.

Para além do atemporal mundo das listas, a reunião desses gigantes aconteceu durante duas sessões no 30th Street Studio, em Nova York, e o resultado chama-se Kind of Blue, disco que neste 2009 completa 50 anos e ganha relançamento luxuoso em caixa com dois CDs (um só de raridades e takes inéditos), um DVD com registros da época e um libreto de 60 páginas. A versão americana da caixa ainda traz o álbum em vinil de 180 gramas.

Praticamente sem ensaios, eles gravaram cinco temas embalados em melodias que colam no ouvido como algodão-doce no céu da boca. Miles Davis, morto em 1991, era o mentor do sexteto — Kelly substitui Evans só em uma faixa daquele que para muitos críticos é o melhor disco da carreira do trompetista, iniciada nos anos 40 e marcada por mutações.

Quem se impressiona com conceitos deve saber que a obra funda o jazz modal; a harmonia musical feita sem a progressão dos acompanhamentos, o que permite ao músico mais liberdade para a melodia. O estilo está para o frenético bepop de Charlie Parker e Dizzy Gillespie como a geração de 1945 para a literatura modernista brasileira: rigor e lirismo em contraposição à liberdade extrema e à irreverência que resvala no cômico. Em termos amplos, Kind of Blue é o suprassumo do cool — as fotos de um elegante Miles de olhos cabisbaixos são a antítese das bochechas infladas e das boinas de Dizzy.

Conceitos à parte, ele traz música boa e bem executada. "So What", a mais famosa por conta da sequência inicial, abre o trabalho. "Freddie Freeloader" e "All Blues" seguem a toada, solos perfeitos sobre escassas harmonias e frases líricas. Mas são "Blue in Green" e "Flamenco Sketches" que conferem ao disco aquilo que toda produção precisa para ser chamada de arte: a boa dose de melancolia e meditação; no caso, o "blue" do título e dos olhos de Miles. Sobre ambas paira a polêmica de que o egocêntrico trompetista teria omitido Evans da autoria (seriam o Lennon/McCartney do jazz).

O crime, se houve, está prescrito. Além do mais, depois de
Kind of Blue, Miles Davis ganhou o salvo-conduto dado aos deuses do jazz.

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