Histórias Perdidas do Rock Brasileiro: Vol 1


Por Ricardo Schott
Jornalista
Jornal do Brasil

Nos anos 60, o rock nacional parecia ter três vias, que às vezes se cruzavam em camarins de shows. A mais visível era a das bandas jovemguardistas, como Renato & Seus Blue Caps e Os Incríveis, onipresentes na televisão e no coração do povo. No meio, havia os Mutantes, banda com prestígio inabalável e vendagem razoável. A vertente que funcionava como pano de fundo no período é a que interessa ao pesquisador carioca Nelio Rodrigues, autor do recém-lançado livro
Histórias Perdidas do Rock Brasileiro: Vol 1.

Rodrigues, também autor de
Os Rolling Stones no Brasil e co-autor de Sexo, Drogas e Rolling Stones, ao lado do jornalista José Emílio Rondeau, prefere focar-se em bandas pouco conhecidas do Rio, como Os Selvagens, Analfabitles, Red Snakes, Faia, The Bubbles (que depois viraria A Bolha), Equipe Mercado, Karma e Módulo 1000, que ajudaram a pavimentar alguns dos primeiros cenários subterrâneos do rock nacional.

"
Foram bandas como Bubbles e Analfabitles que criaram a noção de um som da pesada mesmo, com a aparelhagem na frente do palco, impondo respeito. As bandas da Jovem Guarda usavam equipamentos pífios. Eram guitarras e amplificadores ruins. Os grupos novos até emprestavam equipamento para elas. Conjuntos como The Bubbles já tinham uma preocupação com iluminação e cenário que essas bandas mais populares não tinham", relata Rodeigues.

Entre os fatores que contavam para que tais bandas estivessem na frente, diz Rodrigues, era o interesse por informações novas, que eram conseguidas economizando mesadas para comprar revistas e discos importados. "
Em 1967 uma banda americana veio tocar aqui e trouxe um equipamento para light show, que fazia aquela iluminação psicodélica que chamavam de luz bolha", recorda. Grupos como o Soma e The Bubbles compraram essa máquina. Eram essas bandas que tinham acesso a esse tipo de informação.

Além do interesse por novidades, a ousadia contava, e muito. Eram formações afastadas do iê-iê-iê que tocava no rádio e geralmente contratadas de heróicos selos independentes, como o Top Tape, que lançou a estreia acid rock do Módulo 1000,
Não Fale com Paredes, de 1970, hoje reeditada até na Europa; e o inacreditável Orange, uma releitura cabocla da Apple dos Beatles, que chegou a lançar compactos do The Cougars e de Serguei, o que as ajudava a ganhar liberdade para ousar no palco e no estúdio.

"
Num show do Sound Factory, uma menina simplesmente tirou a camisa perto do palco e começou a dançar. Já os Selvagens conseguiram se apresentar num festival no Pavilhão de São Cristóvão para o qual não estavam programados. Foram lá com os equipamentos e se enfiaram no palco, sem pedir licença. Acabaram tocando. Nas apresentações do Módulo 1000, a banda falava para o público se sentar, porque o som viria do chão", relata Rodrigues.

De tanto insistir, algumas bandas até arrombavam as portas do primeiro time do pop a seu modo. Foi o caso do Faia, que teve como baterista Luiz Moreno (que depois tocaria n'O Terço), acompanhou Zé Rodrix na primeira gravação de "Casa no Campo", em 1971, e foi levado por Raul Seixas para testes na Philips, hoje Universal. Ou o Red Snakes, grupo do Grajaú que lançou em 1969 o LP
Trying to be Someone, repleto de composições próprias, pelo selo Equipe, e acabou abrindo vários shows para Wilson Simonal.

"
Também fazíamos muita coisa com a Gal Costa e com Antonio Adolfo e a Brazuca", recorda o vocalista Alvaro Rodrigues, que hoje, ainda envolvido com música, atende pelo nome de Mattuzalém e conduz projetos ligados ao rockabilly pela noite carioca. "Fazer rock era uma barra pesada. Arrumar equipamento era difícil. Lembro que conseguíamos alguns com um coroa que era a cara do Sherlock Holmes".

As drogas também fazem parte do livro, e surgem em histórias como a da banda Karma, um dos raros exemplos de grupo de rock a gravar disco por uma multinacional (em 1972, pela RCA, atual Sony Music). O guitarrista do grupo passou a sofrer sequelas pelo uso de LSD, como explica Rodrigues. O lado anedótico do uso das substâncias ilícitas fica com a banda The Bubbles. "
Eram os doidões da época. Quando eles subiam no palco, jogavam baganas (restos de cigarros de maconha) para eles. Os músicos fumavam embaixo do palco e ficava um roadie com um spray disfarçando o cheiro", relata.

Aos 57 anos, nascido em Recife mas criado na Zona Sul carioca, Nelio Rodrigues começou a se interessar por rock desde cedo, mas, biólogo de formação, só abraçou a pesquisa e as letras há menos de 10 anos, quando foi convidado pela editora Ampersand para escrever o livro
Os Rolling Stones no Brasil. Para o livro novo, além de escrever material inédito, resgatou textos seus que estavam no webzine Senhor F, do jornalista Fernando Rosa, e na revista de rock clássico Poeira Zine.

"
O rock como fenômeno de massas é atrasado no Brasil. Só passou a ganhar mídia nos anos 80. Antes era uma vida de guerreiro, tanto que muitos desistiam e iam estudar", lembra Rodrigues, que promete no segundo volume das Histórias Perdidas biografias de bandas como Os Lobos, Vímana e Veludo. "Mas é uma pena que, mesmo quando se fala dos anos 60 e 70, só exista espaço para Rita Lee, Raul Seixas, Mutantes. Muitos discos dessa época são melhores do que Raulzito e os Panteras, estreia do Raul Seixas (1967), por exemplo".

Comentários

  1. MUITO interessante! Louvável a iniciativa de retratar os "malditos", e esquecer um pouco os medalhões. Gostaria de saber se esse livro será vendido amplamente (o que eu sinceramente espero) ou será uma operação menor, tipo via site do escritor ou coisa parecida.
    Abração e parabéns pelo blog!

    ResponderExcluir
  2. Cristian, olivro pode ser encontrado em grandes livrarias comoa Cultura, em São Paulo, e Travessa, no Rio. Também posso enviar diretamente pra quem quiser.
    Abs,
    Nelio

    ResponderExcluir
  3. Nelio, se você quiser pode publicar o seu email aqui para quem estiver interessado em adquirir o livro.

    Como ja te disse, eu vou querer um, mas vou esperar virar o mês porque esse foi meio complicado financeiramente.

    Reserva um que eu pego!

    Abraço, e parabéns pelo grande e valioso trabalho.

    ResponderExcluir
  4. Ok, Cadão, meu e-mail pra quem quiser entrar em contato é:
    lneliorod@yahoo.com.br
    Abração,
    Nelio

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Você pode, e deve, manifestar a sua opinião nos comentários. O debate com os leitores, a troca de ideias entre quem escreve e lê, é que torna o nosso trabalho gratificante e recompensador. Porém, assim como respeitamos opiniões diferentes, é vital que você respeite os pensamentos diferentes dos seus.