Os 40 Anos de Let it Bleed: sexo sujo, violência gratuita e uma capa quase perdida


Por Marina de Campos & Rodrigo de Andrade

Let it Bleed chegou às lojas um dia antes do sombrio concerto de Altamont. Era o último trabalho de estúdio que o grupo produzia para a Decca Records. Devia ter sido lançado antes, mas houveram problemas com a mixagem e atrasos na pós produção.

A capa não era a aprovada para o projeto. Mas a arte original (de autoria de Andy Warhol, mostrando uma calça Levis feminina, enquanto o disco traria uma calcinha com os dizeres "deixe sangrar") fora perdida na bagunça do escritório dos Rolling Stones. Sua concepção foi usada para o álbum seguinte,
Sticky Fingers (1971). A saída foi criar uma nova capa às pressas. Robert Brownjohn foi o idealizador e Delia Smith quem produziu o "bolo". O título quase foi alterado para Automatic Changer.

As sessões do álbum haviam começado no início do ano. Tendo em vista o resultado alcançado em
Beggars Banquet (1968), a banda continuou com Jimmy Miller na produção, numa parceria prolífica que iria se estender por mais álbuns. De início, vários esboços foram registrados, muitos deles sendo apenas temas instrumentais. Algumas dessas canções não voltaram a ser trabalhadas, ou então tomaram corpo e foram aparecer apenas em Sticky Fingers. Dentre elas, pode-se citar títulos como "Aladdin Story", "French Gig", "I Was Just a Country Boy" e "Jimmy Miller Show". Das faixas que acabaram entrando no álbum, "Midnight Rambler" começou a ser trabalhada desde o início. Entre os esboços que viriam a se transformar em músicas efetivas estão "Give Me Some Shelter" - que evoluiria para "Gimme Shelter" - e "If You Need Someone", que se transformaria na faixa título do disco.

Entre abril e maio de 1969 aconteceriam muitas sessões de estúdio para o álbum. Daí também resultaram uma série de faixas e esboços que nunca foram finalizados para integrar um registro oficial. Entre elas estão as seguintes composições de Jaggers e Richards: "Curtis Meets Smokey", "Jiving Sister Fanny", "Black Box", "Mucking About", "So Fine", "Toss the Coin", "The Vulture" e "When Old Glory Comes Along". Chegaram ainda a gravar uma faixa de Bill Wyman, "Downtown Suzie", e uma cover: "I Don’t Know Why", de Stevie Wonder.

Justiça seja feita: Keith Richards assume papel fundamental em
Let it Bleed. Como bem nota o crítico francês Bas-Rabérin, em virtude da ausência quase completa de Brian Jones - já desde o trabalho anterior - e a presença ainda pouco decisiva Mick Taylor, o lendário guitarrista original da banda se esmera na execução, alcançando aqui um domínio e qualidade sonoras que talvez seja o mais perfeito no conjunto da obra dos Stones. Mais de uma vez ele se encarrega de várias partes de guitarra em uma mesma composição. Quando o grupo mais precisou, lá estava Keith Richards em seu auge!

O álbum que chegou às lojas no final do ano (no dia 28 de novembro na Inglaterra e 29 de novembro nos EUA) continha nove canções. Os críticos reclamaram que seu conteúdo era de "sexo sujo, sadomasoquismo, drogas pesadas e violência gratuita". Esperavam o que de um lançamento dos Rolling Stones? Canções sobre flores do campo e o azul do céu?

Confira abaixo detalhes preciosos sobre cada uma das faixas.

Gimme Shelter

Vocais: Mick Jagger, Keith Richards e Mary Clayton
Guitarra: Keith Richards
Bateria: Charlie Watts
Baixo: Bill Wyman
Percussão: Jimmy Miller
Harmônica: Mick Jagger
Piano: Nicky Hopkins

Gravada no Olympic Studios, em Londres, entre fevereiro e março de 1969. No mês de outubro, os vocais de Mary Clayton foram adicionadas em Sunset Sound & Elektra Studios, de Los Angeles. É provavelmente a canção mais famosa do álbum, e permaneceu por anos na setlist das turnês da banda.


Love in Vain

Vocal: Mick Jagger
Guitarra: Keith Richards
Bateria: Charlie Watts
Baixo: Bill Wyman
Bandolim: Ry Cooder

No LP original a faixa vinha creditada de maneira equivocada como sendo de autoria de Woody Payne - provavelmente um nome fictício. Depois, foi apontada pela banda como sendo uma canção tradicional, até ser admitida como uma cover de Robert Johnson.

Country Honk

Vocais: Mick Jagger Nanette Newman e Keith Richards
Violão: Keith Richards
Guitarra Slide: Mick Taylor
Bateria: Charlie Watts
Violino: Byron Berline

"Country Honk" é a versão original do single "Honky Tonk Women", lançado cinco meses antes do álbum. A versão do compacto teve seu arranjo alterado logo no primeiro ensaio com o guitarrista Mick Taylor. Mesmo sem saber que estava sendo testado para entrar no grupo, ele apresentou uma ideia original que satisfez imediatamente a banda. Acabou sendo gravada naquele mesmo dia.

Alguns meses depois, em Los Angeles, a versão original foi registrada com a participação de Byron Berline no violino. O músico fazia parte da banda de Gram Parsons. Segundo depoimentos de Jagger & Richards, a inspiração para a composição veio da música de gaúchos que eles conheceram quando estiverão em Matão, no interior de São Paulo, na virada de 1968 para 1969.

Live with Me

Vocal: Mick Jagger
Guitarras: Mick Taylor e Keith Richards
Bateria: Charlie Watts
Baixo: Keith Richards
Piano: Leon Russell e Nicky Hopkins
Sax Tenor: Bobby Keys
Trompas: Arranjo por Leon Russell

Gravada no dia 24 de maio de 1969. É um número que ganha força em shows ao vivo. O baixo foi composto e executado por Keith Richards, e é muito semelhante ao de "Bitch", faixa lançada no álbum de estúdio seguinte. Foi a primeira participação de Bobby Keys como saxofonista do grupo, uma parceria que iria se repetir dali em diante por incontáveis discos e turnês. A letra contém referências a um fato real, em que Keith teria caçado ratazanas em um pequeno riacho, nos fundos de sua residência rural. Depois, as criaturas foram preparadas e servidas para o jantar.

Let it Bleed

Vocal: Mick Jagger
Guitarra: Keith Richards
Bateria: Charlie Watts
Baixo: Bill Wyman
Piano: Ian Stewart
Autoharpa: Bill Wyman

A faixa título é a última do lado A do LP. É a única participação de Ian Stewart no álbum (o pianista é o "sexto stone" e nunca foi oficializado na banda porque era velho, feio e gordo). A letra é bem explícita, cheia de referências diretas a sexo e drogas.

Midnight Rambler

Vocal e harmônica: Mick Jagger
Guitarra: Keith Richards
Bateria: Charlie Watts
Baixo: Bill Wyman
Percussão: Brian Jones

Essa música foi chamada por Keith Richards de uma "blues ópera". A letra é inspirada nas confissões do estuprador e assassino Albert De Salvo, o Estrangulador de Boston. As duas guitarras foram gravadas por Keith. E a percussão, creditada a Brian Jones, é pouco audível. Foi uma das primeiras faixas registradas para o álbum.

You Got the Silver

Vocal, violão e guitarra: Keith Richards
Bateria: Charlie Watts
Baixo: Bill Wyman
Autoharpa: Brian Jones
Piano e órgão: Nicky Hopkins

Talvez o primeiro registro da banda que entrou no disco. É uma canção de amor que Keith escreveu para Anita Pallenberg. Ele havia roubado a moça de seu antigo namorado, que era ninguém menos que seu colega de banda, Brian Jones. Chegaram a registrar uma versão com Jagger nos vocais, mas no final foi descartada. A faixa foi incluída no filme Zabriskie Point, de Michelangelo Antonioni.

Monkey Man

Vocal: Mick Jagger
Guitarras: Keith Richards
Bateria: Charlie Watts
Baixo e vibrafone: Bill Wyman
Piano: Nicky Hopkins
Pandeireta: Jimmy Miller

Um dos maiores rockões do álbum. A faixa começou a tomar forma quando a dupla compôs algo que chamaram de "Positiano Primo", quando estavam de férias na Itália, em 1968. A versão do disco foi gravada em abril de 1969. Enquanto alguns especulam que a letra tenha sido escrita sob o efeito de drogas, na verdade ela referencia outras composições da banda - como "Jigsaw Puzzle" - e de maneira particular "Pistol Slapper Blues", uma canção do blueseiro Blind Boy Fuller.

You Can’t Always Get What You Want

Vocal: Mick Jagger
Guitarras: Keith Richards
Bateria: Jimmy Miller
Baixo: Bill Wyman
Piano, trompas e órgão: Al Kooper
Percussão: Rocky Dijon
Arranjo para coral: Jack Nitzsche
Vocais: The London Bach Choir, Madelaine Bell, Doris Troy, Nanette Workman

Uma canção incrível! Há quem diga que seria uma resposta - algo típico dos Stones - para "Hey Jude", dos Beatles. Se for, nessa os Stones saíram ganhando. A música foi lançada, em uma versão editada, sem o coral, como lado B do single "Honky Tonk Women". Registrada nos dias 16 e 17 de novembro de 1968, é a gravação mais antiga presente em Let it Bleed.

Satélites Sangrentos

Em torno de
Let it Bleed orbitam uma série de outros títulos que se relacionam organicamente com o álbum. Confira abaixo que peças são essas.

Honky Tonk Women

O
single de julho de 1969 trazia uma versão mais rocker que o arranjo original da canção, que só seria conhecido no álbum, com o título de "Country Honk". No lado B do compacto, a versão editada de "You Can’t Always Get What You Want", sem o coral. O título antecedeu o lançamento de Let it Bleed em vários meses, e oficialmente foi o primeiro registro disponibilizado com a presença de Mick Taylor como integrante da banda.


Esse impressionante documentário mostra a incrível turnê americana de 1969. Culmina com o trágico concerto gratuito em Altamont, onde a gangue de motoqueiros
Hell’s Angels (contratados para cuidar da segurança do evento) espanca a plateia, as bandas de abertura e assassinam um espectador na frente das câmeras.

No filme, as cenas são mostradas aos Rolling Stones, que comentam sobre os fatos apresentados. O título já foi amplamente comercializado no Brasil, tanto em VHS quanto em DVD, nas bancas, com diversas capas.


A tour que os Rolling Stones empreenderam pelos EUA naquele ano foi de proporções homéricas, sendo aclamada como "
a primeira turnê mítica da história do rock". O grupo não fazia excursões internacionais desde 1966, principalmente em virtude dos problemas judiciais dos integrantes, envolvendo porte de drogas. Havia uma grande demanda pelos shows, e uma vontade enorme da banda em empreender tal digressão. O grupo percorreu 17 cidades dos Estados Unidos. Em 1970, lançaram um ótimo álbum ao vivo, com o áudio extraído de duas apresentações. O disco era Get Yer Ya-Ya’s Out!, um LP simples com 10 faixas.

Agora em novembro de 2009 foi lançada uma versão expandida do título.
Get Yer Ya-Ya’s Out!: The Rolling Stones in Concert 40th Anniversary conta com 3 LPs, 3 CDs e 1 DVD.

Live’r Than You’ll Ever Be

Supostamente, o primeiro disco pirata da história da música seria um bootleg como áudio extraído do show no Oakland Coliseum, na terceira apresentação da tour de 1969. A qualidade da gravação ficou tão espantosa que se especula se não foram os próprios Rolling Stones que promoveram a maracutaia.

Com o título de
Live’r Than You’ll Ever Be, a bolacha vinha numa capa totalmente branca, sem dar a menor indicação de quem era o registro. No selo do disco havia apenas os dizeres “The Greatest Group On Earth” junto com o título das faixas presentes em cada lado.

Um estudioso afirma que o LP vendeu tão bem (mesmo tendo sido comercializado “atrás do balcão” das lojas) que poderia ter ganho disco de ouro. Com o decorrer dos anos, várias versões diferentes do título foram aparecendo no mercado.


Certo dia durante as sessões de
Let it Bleed, por volta de maio de 1969, Keith Richards faltou às gravações. Nesse dia, Mick Jagger, Bill Wyman, Charlie Watts, Ry Cooder e Nicky Hopkins aproveitaram para brincar e gravaram uma série de faixas. Todas foram compostas pelo trio Watts-Cooder-Hopkins, exceto duas covers: "It Hurts Me Too", de Elmore James, e "Interlude a la El Hopo", de Juventino Rosas. A letra de "It Hurts Me Too" teve modificações feitas por Jagger, que incluiu versos de "Pledging My Time", de Bob Dylan.

As faixas ficariam guardadas até 1972, quando seriam lançadas num LP intitulado
Jamming With Edward!, que teria uma boa repercussão nos EUA. No caso, o "Edward" seria Nicky Hopkins. Confira abaixo a lista completa das músicas:

Lado A
1. The Boudoir Stomp (5:13)
2. It Hurts Me Too (5:12)
3. Edward’s Thrump Up (8:11)

Lado B
4. Blow with Ry (11:05)
5. Interlude a la El Hopo [incluindo
The Loveliest Night of the Year](2:04)
6. Highland Fling (4:20)

Let it Bleed Book: The Rolling Stones 1969 U.S. Tour, by Ethan Russell

Talvez o título mais impressionante relacionado à fase
Let it Bleed seja um dos lançamentos mais recentes. A Rhino Records editou em duas versões luxuosíssimas a obra Let it Bleed Book: The Rolling Stones 1969 U.S. Tour, do fotógrafo Ethan A. Russell, que acompanhou a turnê da banda pela América.

A versão mais em conta e sem charme do livro, que tem mais de 400 páginas, custa apenas US$ 650. A versão deluxe sai por US$ 950 (fora o frete e os 60% a mais de imposto taxado quando entra em nosso país). Ambas são limitadas e não devem demorar muito para esgotar.

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