Discos Fundamentais: Captain Beyond - Sufficiently Breathless (1973)


Por Ricardo Seelig
Colecionador

A mítica em torno do primeiro play do Captain Beyond, considerado por muita gente um dos melhores álbuns de hard rock dos anos setenta, ofusca tremendamente os outros discos do grupo. Se por um lado Dawn Explosion (1977), terceiro LP da banda, pode ser considerado apenas um trabalho honesto e sem maiores atrativos, o mesmo não pode ser dito do segundo álbum dos caras, Sufficiently Breathless, de 1973.

Mas antes de contarmos a história do disco é preciso falar sobre algumas coisas. Apesar de cultuado, Captain Beyond (lançado em junho de 1972) não alcançou um número expressivo de vendas, principalmente pelo descaso com que a gravadora da banda, a Capricorn - especializada em southern rock -, tratou o álbum. Não houve divulgação adequada, o grupo não recebeu suporte da companhia e, assim, mais uma banda repleta de talento via a sua promissora história escorrer pelo ralo.

Como se isso não bastasse, o quarteto formado pelo vocalista Rod Evans (ex-Deep Purple), pelo guitarrista Larry "Rhino" Reinhardt, pelo baixista Lee Dorman e pelo baterista Bobby Caldwell levou diversos calotes durante a tour do seu disco de estreia, fazendo as coisas ficarem ainda mais negras no horizonte.

Desanimado com essa falta total de perspectiva, o batera Bobby Caldwell não aguentou o tranco e jogou a toalha, trocando o Captain Beyond pela pela banda do guitarrista Rick Derringer. Evans, Rhino e Dorman eram osso duro de roer e decidiram continuar na estrada. Para o lugar de Caldwell chamaram o experiente Brian Glascock, ex-The Gods, Toe Fat e Bee Gees e irmão de John Glascock, baixista que tocou com o Jethro Tull. A exuberância criativa e técnica de Caldwell forçou o trio restante a recrutar também um percussionista, posto assumido pelo cubano Guille Garcia. Pra fechar a reformulação do Captain Beyond, Rhino trouxe seu ex-companheiro de Second Coming, Reese Wymans, para assumir o teclado. Pronto, o agora sexteto estava pronto para iniciar mais um belo capítulo em sua carreira.

Mesmo com todo o descaso da Capricorn, a banda ainda permanecia presa à gravadora. Assim, adentraram os estúdios da companhia em Macon, na Califórnia, para registrar seu segundo LP. Os executivos da Capricorn indicaram o produtor Giorgio Gomelski e exigiram que ele produzisse o álbum. Até aí tudo bem, não fosse um pequeno problema: Gomelski achava que Glascock não se encaixava no som do grupo, e deixou claro que, na sua opinião, o batera deveria ser substituído sem demora. Encurralados e vendo o que parecia um novo começo se transformar subitamente em uma situção inusitada e constrangedora, os integrantes do Captain Beyond não tinham a menor ideia do que fazer. Coube ao novato percussionista Guille Garcia solucionar a questão, sugerindo o nome de seu brother Martin Rodriguez, também natural de Cuba.


Pronto, agora a coisa vai, certo? Não, se a banda for o Captain Beyond sempre pode aparecer um problema maior. E ele apareceu! De saco cheio pelas infinitas confusões envolvendo o grupo, a falta de apoio da Capricorn e de seu empresário, o não reconhecimento do público e a evidente qualidade inferior do estúdio em que estavam trabalhando, Rod Evans surtou e simplesmente sumiu durante as gravações. Evans pegou suas coisas e voltou para Los Angeles, onde foi buscar conforto no carinho de sua esposa, no aconchego de seu lar.

A situação era a seguinte: a banda sofria pressão da gravadora para terminar logo a gravação do álbum, a grana disponibilizada pela companhia estava chegando ao fim e seu vocalista havia abandonado o barco, deixando suas partes vocais pela metade. Rhino, Dorman e companhia partiram atrás de Evans e, depois de muita discussão e bate-boca, o cantor acabou finalizando o processo no estúdio Record Plant, na cidade de Sausalito, também na Califórnia. Com o problema resolvido, Sufficiently Breathless finalmente chegou às lojas no outono de 1973. Como desgraça pouco é bobagem, quanto o disco foi lançado a banda praticamente não existia mais.

Rhino e Lee Dorman queriam, naturalmente, cair na estrada, mas a questão com Rod Evans era complicada demais, e a maionese já dava sinais que desandaria ainda mais. Um show foi marcado ao lado do lendário grupo canadense Charlee, mas na última hora o Captain Beyond teve que cancelar sua participação. Uma nova tentativa foi feita, e a banda acertou uma apresentação abrindo para a Climax Blues Band e a Electric Light Orchestra. Esse show acabou sendo o único a contar com o line-up que gravou Sufficiently Breathless, e, para fechar com chave-de-ouro toda essa história pra lá de complicada, a audiência contou com apenas 250 pessoas.

Mas vamos deixar todos esses contratempos de lado e focar nas oito faixas do LP. Sufficiently Breathless é bem diferente da estreia do conjunto. Sai o hard rock classudo e com influências de rock progressivo do primeiro LP, e em seu lugar surge um som predominantemente acústico, repleto de balanço e pitadas latinas. Em diversos momentos do play é possível ouvir uma clara influência do que o guitarrista mexicano Carlos Santana havia aprontado nos anos anteriores.

O disco abre com a ótima faixa-título, levado ao violão por Rhino com o tempero da percussão de Garcia e Rodriguez. Sem exageros, uma das melhores composições da curta carreira do Captain Beyond. Aliás, é de Martin Rodriguez a definição que melhor explica a sonoridade do grupo em Sufficiently Breathless: "space latin rock".

O clima continua ótimo com a sensacional "Bright Blue Tango", com grande performance de Rod Evans e um groove viajandão. O embalo permanece em "Drifting in Space", que parece saída de Abraxas, lançado pelo já citado Santana em 1970. O solo de Reese Wymans no piano elétrico merece destaque, dando um clima excelente para a faixa. Impossível ouvir "Drifting in Space" sem bater o pé no chão inconscientemente, marcando o ritmo.

Uma bela frase de guitarra introduz "Evil Men", mais um grande momento de Sufficiently Breathless. A estupenda levada de Martin Rodriguez, somada à percussão de Guille Garcia, dá um balanço sensacional para a canção. A cereja do bolo é o solo de Rhino no meio da faixa, mostrando porque de o guitarrista ser cultuado até hoje.

A balada viajandona "Starglow Energy" abria o lado B do vinil original, mostrando uma divisão bem clara no play, com o lado A apostando no balanço enquanto o segundo é mais trancedental. A faixa conta com uma bela interpretação de Evans e dá uma acalmada no clima. O hard psicodélico de "Distant Sun" vem a seguir. A passagem instrumental no meio dessa composição é arrrepiante, com a banda saindo de um clima guiado pela guitarra de Rhino para cair em um trecho que lembra o jazz cubano temperado com elementos de rock progressivo. Good trip total!

Retomando a tradição dos interlúdios tão presentes no primeiro álbum, "Voyages of Past Travellers" precede "Everything´s a Circle", que fecha o álbum unindo as suas duas principais caracteríticas: o balanço contagiante e as viajantes, e às vezes etéras, passagens instrumentais.

Ainda que seja inferior ao primeiro disco do grupo, Sufficiently Breathless mesmo assim é um senhor disco. A inclusão de Guille Garcia e Martin Rodriguez renovou o som do Captain Beyond, apostando em um caminho diferente do trilhado anteriormente, mas mantendo a alta qualidade e a criatividade instrumental. Uma pena que, mesmo sendo um excelente trabalho, o LP acabou mais uma vez passando batido devido aos infinitos problemas que sempre cercaram a banda.

No final de 1973 não havia mais o Captain Beyond de Sufficiently Breathless. A banda havia se dissolvido. Uma derradeira tentativa foi feita com a formação original, com Bobby Caldwell de volta às baquetas, com o grupo saindo em turnê executando o primeiro álbum na íntegra e algumas canções do segundo em seus shows. O quarteto abriu alguns shows de nomes como Jethro Tull, King Crimson, Ted Nugent, Bob Seger e Quicksilver Messenger Service - ao lado desse último, tocando para mais de cinco mil pessoas em Chicago. A momentânea estabilização solidificou a reputação do Captain Beyond como excelente banda ao vivo, atraindo mais e mais fãs para os shows. O ápice ocorreu em uma apresentação ao lado do Wishbone Ash no Texas, quando tocaram para um público de oito mil pessoas, que literalmente babou na performance de Evans, Rhino, Dorman e Caldwell.

Mas estamos falando do Captain Beyond, e nada seria eterno para o grupo. Rod Evans decide sair de vez do grupo em 31 de dezembro de 1973, e não coube outra alternativa aos músicos restantes a não ser encerrar as atividades da banda. Lee Dorman foi trabalhar na Warner como produtor e engenheiro de som, enquanto Rhino colaborou com o cantor soul Bobby Womack. Já Bobby Caldwell retomou sua parceria com Rick Derringer e Johnny Winter (com quem tocava antes de entrar no Captain Beyond, em 1971) no álbum Saint & Sinners, lançado pelo guitarrista albino em 1974. Na sequência, aceitou o convite de Keith Relf, ex-Yardbirds, e integrou outro cultuado nome do hard setentista, o Armageddon, ao lado de Relf, do baixista Louis Cennamo e do guitarrista Martin Pugh, ambos ex-Steamhammer, com quem gravou o homônimo e ótimo debut da banda, lançado em 1975. Infelizmente o Armageddon acabou logo depois, quando Keith Relf sofreu um violento choque elétrico e faleceu no dia 14 de maio de 1976.

Com o fim do Armageddon, Caldwell reativou o Captain Beyond ao lado de Rhino, Dorman e do vocalista Willy Daffern. A banda gravou o apenas mediano Dawn Explosion em 1977, e acabou de vez.


Uma curiosidade sobre Sufficiently Breathless é que sua bela capa traz uma ilustração do artista Joe Petagno, famoso por trabalhos com grupos como Baker Gurvitz Army, Thin Lizzy e, principalmente, Motorhead.

Se você gosta de música, é sua obrigação conhecer os dois primeiros discos do Captain Beyond. Enquanto o primeiro é um dos pilares do hard rock setentista, o segundo é um belo álbum que mostra toda a criatividade da banda, que infelizmente foi vítima de infinitos problemas e contratempos em sua curta carreira, o que com certeza os impediu de ser um dos maiores grupos dos anos setenta. Afinal, se com tudo o que o Captain Beyond enfrentou é lembrado até hoje, imaginem como seria se a história tivesse sido mais generosa com os caras ...

Faixas:
A1 Bright Blue Tango 4:11
A2 Sufficiently Breathless 5:15
A3 Drifting in Space 3:12
A4 Evil Men 4:51

B1 Starglow Energy 5:04
B2 Distant Sun 4:42
B3 Voyages of Past Travellers 1:46
B4 Everything's a Circle 4:14

Comentários

  1. Belo texto Cadão!

    Curiosamente esse foi o primeiro disco do Captain Beyond que eu ouvi, e logo me apaixonei.
    Fiquei impressionado com a versatilidade de Rod Evans, que antes só conhecia como "aquele bizarro que antecedeu o Gillan".
    O disco foi um belo cartão de visitas pra mim. Tempos depois conheci o fabuloso primeiro álbum da banda e hoje tenho o Captain Beyond como uma das bandas mais importantes da história, a despeito da sua pouca fama.

    Parabéns pela análise!

    Grande abraço,

    Vitor
    MOFODEU
    www.mofodeu.com

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  2. Ótima resenha.

    Gosto muitissimo desta banda.

    Saudações,

    Izaias.

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  3. Não conheço esse disco...vou ter que ir atrás. Gosto muito do primeiro, porém não concordo com as opiniões de este ser o principal, ou o melhor, disco de hard dos anos 70.

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  4. Acho que essa história de "melhor discos de hard rock dos anos setenta" não existe. Uma década que nos deu nomes como Black Sabbath, Led Zeppelin, Deep Purple, Thin Lizzy, ZZ Top e outras centenas de banda não tem apenas um disco como o melhor do hard, mas sim vários.

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  5. Ricardo,

    Parabéns pelo texto. Esses dois plays do CB são realmente maravilhosos, principalmente pelo fato de a banda ter trilhado um caminho totalmente novo, mas ainda assim esbanjando cratividade e beleza.

    Também tinha meus preconceitos com Rod Evans, mas após a audição atenta dos discos do CB percebi a qualidade e versatilidade do cara e hoje tenho esta banda como uma de minhas favoritas do hard, estilo que eu mais gosto e me aprofundo dentro do rock.

    Aproveito o espaço para estender os elogios à tua resenha do Volcanic Rock, uma obra-prima de cuja banda (assim como o CB e taaaaantas outras) acabou não vingando e nos brindando com mais pérolas da pauleira setentista

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  6. Rubens, muito obrigado pelo elogio. O Captain Beyond foi realmente uma banda fantástica. Os dois primeiros discos do grupo são excepcionais, rivalizam em pé de igualdade com os gigantes da época.

    Abraço.

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