Steve Harris: crítica de British Lion (2012)

Stephen Percy Harris é um idealista. Fiel ao que acredita, fundou o Iron Maiden em 1975 e conduziu a banda com mão de ferro até o topo do heavy metal, influenciando profundamente o gênero e tornando-se referência para qualquer grupo que queira se aventurar pelo estilo. Atravessou a turbulenta segunda metade da década de 1970 (quando o punk rock era a ordem do dia na Inglaterra), manteve o leme firme quando praticamente todas as principais bandas pesadas alteraram a sua música para agradar o público norte-americano no final dos anos 1980, sobreviveu ao período com Blaze Bayley no posto de Bruce Dickinson (quando o Maiden viu a sua popularidade desabar e trocou os shows em grandes estádios por casas muito mais modestas) e aceitou de volta o falante e hiperativo vocalista colocando a banda em primeiro plano, deixando de lado as várias questões pessoais que envolvem a sua eternamente turbulenta relação com Dickinson. E tudo isso sem cortar nenhum centímetro de sua longa cabeleira, mesmo quando cabelos curtos passaram a ser a ordem do dia no heavy metal :-)

Harris sempre soube o que quis e fez tudo para transformar o Iron Maiden em uma das maiores bandas da história do heavy metal. Se nem quando era apenas um músico iniciante o baixista abria mão de suas convicções, não seria agora, aos 56 anos e com o status de lenda viva, que ele faria isso. Por isso, a sua surpreendente estreia solo com British Lion deve ser analisada tendo como ponto de partida essa visão: trata-se do som que ele queria fazer, e da maneira que imaginou fazer. Não há nenhuma pressão por sucesso ou concessão mercadológica, é apenas um dos maiores músicos da história do rock homenageando o seu passado na forma de um álbum com canções inéditas que bebem diretamente nas bandas que o influenciaram e serviram de base para a sua formação.

Steve cercou-se de músicos desconhecidos - o vocalista Richard Taylor, os guitarristas Graham Leslie e David Hawkins (esse também responsável pelo teclado) e o baterista Simon Dawson - e gravou um disco que não soa nada parecido com o Iron Maiden. Não há aqui nada que remeta à banda principal de Harris, e esse é o primeiro ponto que pode causar estranhamento em quem estava esperando, de maneira equivocada, um som na linha do que o Maiden fazia, por exemplo, na década de 1980. O negócio aqui é outro. Trata-se de um álbum de hard rock, com algumas passagens mais pesadas que podem ser classificadas como heavy metal. A influência é a escola setentista do hard, com canções baseadas em riffs - algo que, infelizmente, o Iron Maiden não vem mais fazendo nos últimos anos - e reminiscências de ícones do período e favoritos confessos do baixista como Wishbone Ash, Thin Lizzy, Rainbow, UFO, Scorpions e Judas Priest.

De maneira consciente, Steve escolheu um vocalista que possui um timbre totalmente diferente de Bruce Dickinson. A voz de Richard Taylor é aguda e remete a Glenn Hughes e ao jovem Klaus Meine. Segundo tombo para quem esperava ouvir algo semelhante ao Iron Maiden. Há uma enorme quantidade de melodia nas composições, com ótimas passagens de guitarras gêmeas e grandes refrões por todo o álbum. Faixas como “Eyes of the Young”, por exemplo, tem potencial para fazerem bonito como single se bem trabalhadas.

As dez faixas de British Lion transparecem um frescor que não é encontrado nos discos recentes do Maiden. Esse é um ponto extremamente positivo e digno de elogios, pois demonstra o tesão de Harris, que do topo do mundo ainda mostra uma vitalidade juvenil para desvendar novos caminhos.


O início do álbum aponta para um lado mais experimental, com Steve trilhando caminhos até então inéditos em sua carreira. “This is My God” é um hard pesadão na linha do Alice in Chains, enquanto “Lost Worlds” vai pelo lado mais moderno do gênero. A coisa esquenta com “Karma Killer”, construída a partir de um riff turbinado de wah-wah e com o baixo bem na cara. Aliás, esse é outro fator que chama a atenção em British Lion. Se você acha o volume do baixo alto nos discos do Iron Maiden, prepare-se para conhecer outra padrão no disco solo de Harris. O baixo conduz todas as canções, e em vários momentos está mais alto até que o vocal. Isso, somado ao fato de o timbre de voz de Richard Taylor não ser dos mais potentes, incomoda um pouco.

Há grandes momentos e ótimos acertos em British Lion. “Us Against the World” conta com guitarras gêmeas que, em um piscar de olhos, nos levam diretamente a Somewhere in Time, disco lançado em 1986 pelo Iron Maiden. Essa é a música mais próximo do universo do Maiden em todo o trabalho, e é impossível ouvi-la e não imaginar a canção com a voz de Bruce Dickinson. Pra falar a verdade, parece uma faixa perdida saída diretamente daquela época. No outro extremo, “The Chosen Ones” é Steve mostrando que sabe compor um hard grudento e empolgante, que não faria feio no repertório de bandas como o Bon Jovi, por exemplo. 

Mas o grande momento de British Lion, ao meu ver, se dá com a estupenda “A World Without Heaven”, que ao longo de seus mais de sete minutos derrama generosas doses de melodia e inspiração. As linhas vocais são agradáveis, e as longas passagens instrumentais levam ao paraíso. Uma canção ensolarada, com um refrão muito bom. O nível segue alto com o hard cheio de classe de “Judas”, enquanto “These Are the Hands” é praticamente um pop rock temperado com um pouco mais pesado.

De maneira geral, British Lion é um bom disco. Tudo é focado no prazer em produzir música, em fazer um som. É bem diferente do Iron Maiden, e é justamente esse contraste que irá fazer com que os fanáticos seguidores da banda provavelmente não curtam muito o álbum. Steve Harris leva ao pé da letra a ideia de um disco solo e mostra uma faceta totalmente diferente e até então inédita de sua musicalidade, indo por um caminho novo e que não seria possível explorar em sua banda principal. Essa postura, essa coragem de se expor, é digna de elogios a um músico como Harris, idolatrado em todo o mundo e no qual sempre são despejadas grandes expectativas.

E aí está o único ponto negativo de British Lion. Por tratar-se de um disco solo justamente de Steve Harris, a expectativa da maioria das pessoas era, mesmo de forma inconsciente, que surgisse um trabalho revolucionário e, no mínimo excelente. British Lion não é esse disco. Trata-se de um trabalho totalmente despretencioso, despido da grandiosidade do Iron Maiden e com uma pegada mais intimista e saudosista. Essas características certamente desapontarão quem estava esperando um álbum excepcional e que mudasse o rumo das coisas.

A voz de Richard Taylor é outro ponto que merece discussão. Entendo a escolha de Steve por um cantor bem diferente de Bruce Dickinson, mas a pegada de certas composições parece não combinar com o timbre de Taylor, pedindo um vocal mais rasgado e grave. É o caso de “Karma Killer”, por exemplo. O trabalho de composição é muito bom, mas a voz de Taylor puxa algumas faixas para baixo. De maneira geral, tem-se a impressão de que, com um vocalista mais potente, o resultado final seria muito melhor e mais forte.

Mesmo assim, British Lion é um bom disco, com músicas interessantes e que, em sua maioria, agradam o ouvinte. Steve Harris mostra que tem várias cartas na manga no seu vasto vocabulário como compositor, e a banda revela-se inegavelmente competente. 

Não é o Iron Maiden, até mesmo porque só existe um Iron Maiden e não faria sentido copiar a banda, soando como um clone. Mas é justamente a diferença em relação à banda principal de Harris que torna British Lion legal e faz a audição valer a pena.

Nota: 7


Faixas:
  1. This is My God
  2. Lost Worlds
  3. Karma Killer
  4. Us Against the World
  5. The Chosen Ones
  6. A World Without Heaven
  7. Judas
  8. Eyes of the Young
  9. These Are the Hands
  10. The Lesson

Comentários

  1. Ricardo, descorde de vc quando diz q a voz do Richard Taylor lembra a do Glen Hughes. Umas das coisa q mais me incomodou foi o vocal (a outra foi a mixagem) que me pareceu de um Bono Vox com emorroidas! Tudo bem que ele queria fazer algo diferente, mas eu esperava mais! muito mais!

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  2. Concordo com a resenha. Bom álbum.

    Apenas a mixagem tá meio esquisita e o vocalista escorrega em todas as faixas, muito "moderno", muito choroso, depressivo... Nada a ver com o estilo das músicas.

    Será que veremos um outro álbum solo dele?

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  3. Cadão, fui escutar o British Lion esses dias e pelo que rolava na net fui como pé totalmente atrás, acahndo que iria me deparar com um Skunkworks, ou um Balls To Picasso. Pois bem, me dei muito mal, pois até agora estou gostando muito desse trabalho,e já o tenho como um dos melhores lançamentos do ano, concordo que a produção e a mixagem deixaram a desejar, mas achei bem melódico, muito bem composto o vocal realmente lembra Maine (Us Against the World, e outras lembra Hughes, mas pra quem gosta de Lizzy, Ufo, Scorpions e Judas no inicio é um prato feito. Me surpreendeu da melhor maneira possível.
    ps.:Parabéns pela resenha.

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