Os novos ouvintes de música vs o prazer de colecionar discos


Por Thalles Breno
Colecionador
Collector´s Room

Três momentos me chamaram a atenção nas últimas semanas para o mesmo assunto: a paixão dos colecionadores de discos pela música.

O primeiro foi quando recebi semana passada o álbum "Vile" dos carniceiros do Cannibal Corpse e ao abrir descobri que a capa censurada estava apenas no 
slipcase. O encarte, para minha grata surpresa, trazia a capa original. 

Outro episódio foi quando estava lendo a coluna "Stay Heavy Report", assinada por Vinícius Neves e Cíntia Diniz, que consta na edição #117 da revista Roadie Crew. A matéria aborda capas de trabalhos de heavy metal em geral que foram censuradas e, como exemplo, traz "Virgin Killer" e "Street Survivors", respectivamente do Scorpions e do Lynyrd Skynyrd. Lá é feito um relato bem interessante explicando os motivos de tais capas terem sido censuradas. 

Um outro fato foi quando ao voltar de uma loja de CDs, feliz da vida por ter adquirido novos itens para a coleção, conversava com um colega acerca de MP3, pen drives e afins. Ele comentava o quanto tinham sido boas essas invenções, pois a praticidade é muito grande, dentre outras vantagens. Até aí tudo bem, mas quando ele mencionou que tais modernidades (sem querer ser demasiadamente nostálgico) eram melhores que o CD em si tivemos de discordar por razões mais do que óbvias para qualquer colecionador de discos que se preze.


No dia seguinte era feriado aqui onde moro e aproveitei para dar uma reorganizada na minha coleção. Tirei tudo da estante, limpei, coloquei de novo, guardando os novos itens em seus devidos lugares, observei algumas capas ... tudo isso ao som do bom e velho Iron Maiden. Foi uma manhã quase toda nisso, e depois de terminado fiquei admirando o acervo, vendo quais itens ainda faltavam, quais seriam as possíveis novas aquisições, e então lembrei do assunto MP3 e os outros fatos já mencionados no início desse texto e me perguntei o que essa galera que vive dando cliques em links para fazer downloads de discos está perdendo ao tratar a música apenas como algo virtual, sem ter em mãos um trabalho original. Parecem simplesmente ignorar o fato de existir uma obra visual que, principalmente no rock e metal, é tão importante e na grande maioria das vezes intimamente ligada ao conceito do álbum.

Muitos desses não conhecem capas de discos, nomes de músicas, qual a formação que gravou aquele trabalho, quem foi o produtor, em qual estúdio foi gravado, quais as pessoas e bandas mencionadas na lista de agradecimentos, se no show do ano tal o guitarrista
x ainda estava no grupo, onde fica tal teatro que tal banda gravou aquele show para lançar em DVD. Isso é a história da música e não pode ser simplesmente ignorada. 

É bastante comum nas rodas de conversa entre os “downloaders" (chamemos assim) muitos deles orgulhosos, ostentando a proeza de terem em seu acervo discografias e discografias de vários e vários grupos do cenário mundial. Mas será que conhecem todos os arquivos que possuem?  Com a velocidade em que a informação em nossos dias alcança, fica praticamente impossível assimilar todos esses trabalhos a ponto de se ter uma visão crítica de cada um. Ouve-se o arquivo uma vez e já se passa para outro, pois ainda existe uma pilha de DVDs lotados de MP3 para escutar. Ouvir uma vez apenas e pronto?  E trabalhos mais intrincados como das bandas de rock progressivo?  


Lembro-me de um tempo não muito distante quando a moda aqui era gravar fitas K7 com o maior número de músicas de grupos diferentes possíveis, para que depois se pudesse dizer de cabeça erguida: “tenho 327 bandas gravadas na minha coleção”. Essa galera nunca ouviu um álbum completo na vida, talvez. E onde fica a música nessa história toda?  Recebe seu devido valor?  Ou vira mais uma imagem no álbum de figurinhas desse pessoal? 

É verdade que o MP3 tem sua importância, afinal é extremamente útilo quando existe alguma dúvida quanto ao som de alguma banda nova que se ouve falar, ou para ter certeza de que o álbum novo de determinado grupo está legal. O MP3 é um teste para você decidir se compra ou não, e é útil para ouvir no seu iPod em academias, caminhadas, viagens, no carro e em tantas outras situações. Mas ficar sempre usando esse formato de baixa qualidade (sim, pois o MP3 não tem a mesma qualidade do CD, isso para não mencionar o disco de vinil, que, aliás, ainda que timidamente, está voltando a ter seu lugar de forma mais presente, ainda que nunca o tenha perdido), sequer imaginar como é a capa de tal álbum, que relação a mesma tem com o trabalho, é frustrante, fazendo passar batido detalhes que só um disco original traz de forma satisfatória.

A pergunta que surge é: que geração de fãs está se formando hoje?  Seriam chamados de apreciadores de música?  E nem adianta usar a justificativa de que só a música basta, pois é um argumento deveras pobre, ou um enólogo despreza a garrafa, o rótulo e a rolha de um bom vinho?

Vou para casa ouvir meu CD original do Testament, "The Formation of Damnation".


Comentários

  1. Ótimo texto! A foto do início, da onde é?

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  2. Eu concordo com tudo isso mas pra mim uma coisa é fato como moro no interior e na maioria das vezes não tenho como adquirir a maioria dos discos q eu gostaria por causa de grana e o simples fato de nem ter mais loja de discos aqui isso me deixa muito triste é nisso que a internet salvou minha vida pois se não fosse o MP3 nunca teria metade do q eu tenho hj.Tenhos muita coisa original en vinil e cd mas pra deixar o MP3 mais charmoso eu transformo em audio faço as capas encartes e eu apelidei carinhosamente meus cds cópias de ORIGINATAS!valeu abraço a todos!

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  3. Grandes impressões sobre como anda essa modernidade maluca.Já mencionei isso em outros comentários no orkut: estamos vivendo uma fase de transições.Como foi no final dos 70 de película cinematográfica para imagem em videotape, como foi para os carros de carburadores para os de injeção eletrônica ou do advento do cd em detrimento do lp nos anos 80, vemos a mesma transição.Espero apenas que haja espaço para todos: tanto aqueles que gostam de música e dela se satisfazem com informações adicionais ou aqueles que a ouvem sem se preocupar com a composição, obra, história do artista ou influências, e ainda mais aqui no Brasil onde a cultura e o apreço pela informação de qualidade está "jogada ao lodo".Espero que não sejamos vencidos pelos oportunistas de plantão pois as lojas já estão se fechando.Para dizer tanto, a Virtual do conjunto Nacional na Paulista fechou semana passada aqui em SP.E o que será daqui há 5 anos ??

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  4. Boas observações no texto. Concordo com o que foi dito. Eu faço o mesmo. Sempre dou uma escutada nas músicas pela internet antes de comprar o cd. Não que eu não vá comprar o cd, mas é que escutando antes eu dou prioridade pra um e não pra outro. Por exemplo, numa lista de 5 que escutei, vou comprar primeiro o motorizer do motorhead e só depois(aliás, bem depois hahahaha)o Nostradamus do Judas.
    abraço!
    ao som de Alcatraz - Nazareth ao vivo no Brasil

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  5. Sobre este assunto, leiam meu texto "Geração MP3":

    http://www.letsrock.com.br/artigo-geracao-mp3.php

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  6. Já existem arquivos FLAC, de alta qualidade. Só baixa MP3 quem quer. E hoje em dia, pra quem sabe procurar, existe encartes de discos digitalizados e Google (para pesquisar informações dos discos). Além disso, gostaria de saber do autor, sobre os preços dos discos, já que mesmo sem a era de downloads, já eram abusivos.
    É tudo uma questão de opção. Às vezes, até da falta dela: e o cara que está desempregado? Vai ouvir rádio ou comprar um disco a cada dois meses? :-)

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  7. Saudações Pablito!

    Primeiro desculpe-me a demora em responder seu comentário.

    Sobre o assunto em questão, como você mesmo falou, é uma questão de opção. Já a "falta dela" não concordo, pois da mesma forma que é possível usar sites de busca para achar informações de discos ou os encartes dos arquivos em mp3,FLAC ou qualquer outro, é possível usar os mesmos sites de busca para achar lojas de CD com preços mais populares(veja lista nesse blog). Eu mesmo já adquiri vários ítens na internet por preços que chegam ao absurdo de dois CDs por R$ 6,90! E não são bandas desconhecidas ou ruins. Coisa boa mesmo! No que concerne ao desemprego, todos estamos sujeitos a adversidades como essa, que nos impossibilita muitas vezes, não só de manter nossos hobbies, mas de fazer tantas outras coisas que gostamos. Enfim, reitero que o texto é uma visão minha, é assim que penso e continuarei pensando. Mas opiniões existem aos montes, e ainda bem que sim, pois do contrário tudo seria muito chato.
    Abração, Pablito!

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  8. Boa resposta, Thalles. Mas a analogia e comparação com os enólogos (pedantes, nem todos, graças a Deus) não foi boa. Que tal simplesmente beber o vinho? :-)

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  9. Olá Pablito.
    Continuo gostando da comparação com os enólogos (risos). E a propósito, bebi um vinho barato ontem bem gostoso.
    Valeu, abraço!

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  10. Olá Thalles.Também concordo com muita coisa que você disse a respeito dessa mudança vivida em decorência das novas tecnologias. Que existe um "ritual" ao escutar sua música enquanto se folheia o encarte do cd e informações diversas, e a sensação de possuir um "original". Respeito seu ponto de vista, mas na minha opinião, não podemos negar as novas tecnologias, que no caso da música, estão representadas pelo mp3. Penso que é melhor a nação de adeptos do meu estilo musical crescer com a ajuda do fácil acesso ao mp3, do que sua extinção. Sabemos que sempre foi muito caro comprar discos e cd`s originais. Só há pouco tempo, passaram a surgir cd`s com preços mais acessíveis. E hoje em dia, o maior atributo da mídia digital é justamente a praticidade. Eu tenho dezenas de álbuns originais, mas passo muita parte do tempo na rua, no carro e no computador, e o mp3 me acompanha por onde vou. E não podemos esquecer da questão sócio-econômica que está diretamente relacionada com essa difusão dos arquivos mp3. Sempre fui contra os preços abusivos dos cd`s. A prova disso (como você mesmo disse) é que discos que custavam antes R$20,00 saem hoje por R$6,00. Abraço!

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