Entrevista exclusiva: Jefferson Gonçalves - Talentoso gaitista produz blues com sotaque brasileiro


Por Ugo Medeiros
Colecionador e Jornalista

Destaque nos festivais de blues e jazz pelo Brasil, Jefferson Gonçalves mostra que é possível rechear as blue notes com pitadas tipicamente brasileiras. Influenciado por nomes como Luis Gonzaga e Cabaçais, o gaitista esbanja talento em seus três trabalhos solo. O último CD, "Ar Puro" (Blues Time Records), lançado neste ano, é uma aula de ritmo aos amantes de música.

Se você ainda não conhece Jefferson Gonçalves, eis uma grande dica. Sem sombra de dúvidas o bluesman pode ser colocado na lista dos grandes músicos tupiniquins.

Ugo Medeiros – Você sempre tocou gaita?

Jefferson Gonçalves – Eu só sei tocar gaita. Gosto de outros instrumentos de sopro, como flauta e pife, mas apenas toco gaita.

Quando começou esta atração pela gaita?

Sempre gostei desde novo. Escutava Bob Dylan, Neil Young e Jethro Tull. Sempre fui ligado ao rock and roll, ao folk e até à música nordestina (gostava muito de Cabaçal). Mas quando tive coragem de comprar o meu primeiro instrumento, foi a gaita. Comecei a tocar aos 20 anos, mas gosto de música desde os meus 10 anos de idade.

O Charles Musselwhite é uma grande influência na sua formação musical?

Eu gosto da sua música, mas não é a minha influência como gaitista. Já escutei muito o trabalho dele, mas eu não tenho muito do estilo do Musselwhite. As minhas maiores influências na gaita diatônica foram Little Walter e Sonny Terry, e na cromática Toots Thielemans e Maurício Einhorn, além de muita coisa de bandas de pífano.

Você fez parte de uma banda que fez história no Rio de Janeiro, o Baseado em Blues. Como você analisa sua participação nessa banda?

O Baseado em Blues foi a minha primeira banda. Na época eu tinha acabado de terminar minhas aulas com o Flávio Guimarães e o Zé da Gaita. Eu arrumei um show para o Zé, então ele me mandou formar uma banda e abrir a apresentação. Assim nasceu o Baseado em Blues. Ficamos 14 anos na estrada rodando o Brasil. Eu era muito inexperiente e fui aprendendo no palco; a banda aprendia junto a como se portar. Aprendemos muito. Foi o grupo que me colocou no mundo da música. Se não fosse pela banda, não estaria dando esta entrevista. Graças ao Baseado em Blues estou no mercado. Infelizmente o grupo acabou porque abriu o mercado para cada um fazer seus trabalhos solos ...


Atualmente a sua carreira solo toma novas vertentes, um som com influências nordestinas, sonoridades regionais. De onde vem isso?

Esta influência veio desde novo. Se você for ver minha discografia, eu tenho de música clássica à blues, música nordestina, banda de pau e corda, banda de pife, etc. Gosto de estudar o ritmo. Sempre procurei tocar gaita percussivamente. A música brasileira, principalmente a nordestina, é uma das mais ricas ritmicamente. Encaixa muito dentro da gaita; é possível pegar muita coisa de sanfona e pife e transportar pra gaita. Comecei a ver uma ligação. Acho que essa mistura está dando certo.

Você tem um projeto paralelo com o Big Joe Manfra, o Blues Etc. Comente.

Gravamos um CD, viajamos quase todo o Brasil. Começamos tocando em bar, de brincadeira. Acabou dando certo e gravamos um disco. O próximo álbum será ligado ao blues mais tradicional, mais acústico.

Você fez uma tour com o Big Gilson na Europa. O estrangeiro está começando a respeitar os bluesmen brasileiros?

Não apenas os músicos de blues, mas de todos os estilos!  Música instrumental logo é associada ao Naná Vasconcelos, Hamilton de Holanda ou Carlos Malta. No mundo da gaita todos falam do Maurício Einhorn. Eles conhecem o Fernando Noronha!  A nossa música não deixa nada a desejar. Temos uma vantagem: o swing e a rítmica. Eles acham legal que a gente não toque aquele blues tradicional. É impossível, temos que tocar da nossa forma, com um toque de swing. Fomos muito bem recebidos. Foi a minha primeira tour pela Europa, gostei muito.


Você faz uma análise positiva ou negativa do cenário de blues brasileiro atual?

O blues, assim como a música instrumental, nunca vai acabar, está sempre resistindo. No Brasil teve altos e baixos desde que eu comecei a tocar. Teve época em que o Rio de Janeiro tinha um forte circuito de blues no Circo Voador. Agora parou um pouco. Há muitos festivais pelo Brasil afora, como o de Rio das Ostras e Guaramiranga. A agenda de blues e instrumental está sempre lotada. Às vezes temos que nos adaptar: viajar com a banda completa, ou tocar em trio ou sozinho mesmo. São poucas as bandas que se mantém, como o Blues Etílicos. É muito difícil manter a formação original. O custo é alto, o que acaba nos obrigando a adequar às exigências do mercado. Mas o blues nunca acabará. Ao contrário, está sempre se renovando, aparecendo caras novas. O festival de Rio das Ostras comprova: está em sua quinta edição, cada vez maior e melhor.

A criação da Blues Time é uma esperança ao blues brasileiro?

É mais um selo que agora está sendo distribuído pela Tratore. Fico feliz, pois está tendo boa aceitação. É uma luta diária, vencendo um leão a cada dia. Um selo pequeno, mas que dá valor ao blues.

Há algumas semanas entrevistei o Celso Blues Boy. Perguntei quem seria o nome de maior destaque da nova geração. Não hesitou em responder que era você. Como sente-se ao escutar isso do mestre do blues brasileiro?

Temos uma relação de amizade muito forte. A primeira vez que toquei no Circo Voador foi na banda dele. O engraçado é que ele não gosta de gaitista, mas gosta de como me encaixo no trabalho dele. Vai ver porque eu também sou vascaíno (risos). É claro que fico lisongeado. Ligarei para ele e agradecerei (risos).



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